Rumos do desenvolvimento na Amazônia

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26. Februar 2008

Zum Dossier: Klima und Wandel in Amazonien

Von Letícia Rangel Tura
Diretora do Programa Nacional Direito a Segurança Alimentar, Agroecologia e Economia Solidária – FASE


Texto produzido a partir da contribuição de diferentes colegas da FASE, em especial Jean Pierre Leroy, e do documento político da FASE – “Compromisso da FASE com uma Amazônia Sustentável e Democrática.

A discussão sobre os rumos de desenvolvimento na Amazônia articula entre novos desafios e velhos dilemas, colocando em disputa diferentes projetos políticos.

De um lado, tanto o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal, quanto a Iniciativa de Integração Regional da América do Sul (IIRSA), programa implementado por governos sul americanos e por bancos multilaterais, têm como marco orientador um modelo de desenvolvimento “clássico”, que engloba grandes empreendimentos, eixos de integração e produção agrícola em grande escala para exportação e mineração. Integração, sob esta perspectiva, significa transformar a Amazônia em áreas de monocultivo e pecuária, num corredor de exportação, num espécie de baú de riquezas, que pode ser explorado a qualquer custo, a fim de contribuir na solução dos grandes problemas nacionais, seja no plano da energia, seja no equilíbrio da balança comercial, transferindo as riquezas da região para os grandes centros nacionais e internacionais. Esse desenvolvimento e essa integração são feitos sob o lema de “ocupação” da Amazônia. Para a mentalidade comum, incluindo os órgãos públicos e o empresariado, a Amazônia continua sendo um espaço vazio. Se a floresta é um obstáculo a remover, o mesmo acontece com suas populações, vistas como sobrevivência do passado.

Afora isto, há ainda outros fatores complicadores, como a continuidade de práticas ilegais, de desmatamento, de saques, de conflitos da terra, além da negação de direitos aos povos locais, da ausência do Estado e de um problema fundiário até hoje não resolvido. No avanço do agronegócio sobre a floresta e seus povos, verifica-se um processo de “desterritorialização”(1) das comunidades tradicionais e agricultores familiares, calcado no (des)ordenamento fundiário e na fragilidade do Estado de Direito existente na Amazônia. Existe uma correlação direta entre a degradação ambiental e o desrespeito aos direitos e modos de vida dos povos amazônicos.

Na contra-mão deste processo, no entanto, há a Floresta Amazônica com seus moradores de áreas protegidas, os índios, os ribeirinhos, os colonos, os quilombolas, os pescadores e os produtores familiares. Estes representam a resistência a esta violenta dinâmica de inserção da Amazônia à lógica da economia globalizada, através de inúmeras iniciativas de gestão ambiental e comunitária dos recursos naturais, de diversificação da produção, das suas formas de trabalho cooperativo e de construção de um mercado ético e justo.

Esta Amazônia volta ao cenário com o relatório do Painel Inter-Governamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), demonstrando que o aquecimento global está a um passo de tornar-se irreversível e que o Brasil é considerado o quinto maior emissor global de dióxido de carbono, por conta do desmatamento. Existe a intenção de preservar a floresta amazônica e isto faz parte da base de um consenso político nacional, mas que, no entanto, é delegado ao Ministério do Meio Ambiente. E assim se reproduz a velha dicotomia entre desenvolvimento e preservação.

Assim, nesse cenário carregado de desafios e ameaças, o Brasil tem de enfrentar esses dilemas que são respondidos de forma distinta por pelo menos quatros campos políticos nessa encruzilhada histórica que vive a Amazônia:

  1. O campo comprometido com a estratégia liberal que renuncia inteiramente a um projeto nacional para o Brasil e a defesa da Amazônia brasileira como patrimônio do Brasil;
  2. O campo desenvolvimentista que reconhece a importância da presença ativa e planejadora do Estado na região, mas não hesita em reproduzir os padrões insustentáveis de produção e consumo dos países do Norte e vê os povos da Amazônia como objeto passivo de seus projetos expansionistas de ocupação da fronteira agrícola e mineradora;O campo desenvolvimentista que reconhece a importância da presença ativa e planejadora do Estado na região, mas não hesita em reproduzir os padrões insustentáveis de produção e consumo dos países do Norte e vê os povos da Amazônia como objeto passivo de seus projetos expansionistas de ocupação da fronteira agrícola e mineradora;
  3. Um campo heterogêneo de interesses econômicos e políticos que, sob o manto do nacionalismo, procura garantir seus interesses individuais;
  4. Um campo contra-hegemônico que, num contexto de um mundo em crise, preconiza um Brasil sustentável e democrático, comprometido com a soberania nacional e com a defesa do patrimônio que a Amazônia constitui para o país, em consonância com o desafio maior de sobrevivência da Humanidade e do planeta ameaçado.

Não considerando que todos os projetos se igualam, nos identificamos com o quarto campo. Contudo, este campo vive hoje fragmentações e contradições internas, em parte, em função da enorme dificuldade das organizações conseguirem os recursos necessários ao seu fortalecimento, à formulação de estratégias e de posicionamentos políticos; enfim, à manutenção da sua autonomia, e com isso empurrando-as para uma lógica de “projetos” e refluindo o debate político.

Faltam consensos básicos, há, fundamentalmente, diferentes visões com relação à aceitação das políticas de mitigação de impactos ambientais de grandes projetos e ao relacionamento com o setor empresarial. Na nossa perspectiva, as iniciativas de constituição de alianças, pactos e parcerias com o setor empresarial, sejam diretamente com empresas ou através das suas fundações, tendo em vista a criação de normatizações e regras de acesso e uso dos recursos naturais, mecanismos de compensação e remuneração de serviços ambientais, ambiente de negócios com regras claras, criam aparentes consensos e fortalecem e legitimam a idéia de que são as empresas (e entre estas as que impactam negativamente o meio ambiente) que vão salvar o meio ambiente. Ou seja, sobrepõem seu protagonismo ao protagonismo dos povos da Amazônia e propõem um desenvolvimento sustentável sob a égide do mercado, re-direcionando o foco das políticas públicas e dos investimentos públicos nacionais e internacionais para o setor empresarial.

Neste contexto, não parece tarefa fácil avançar para além dos velhos dilemas. É necessário aprofundar o debate sobre o lugar que a Amazônia ocupa no modelo de desenvolvimento atual, na proposta oficial de desenvolvimento (PAC) e nas propostas alternativas desenvolvidas por setores da população amazônica e suas organizações. A Amazônia brasileira não pode ser pensada como sendo um mero objeto de projeto de desenvolvimento que não a pensa como um todo, como sendo mais de 60% do território nacional. Um projeto de desenvolvimento real deveria considerar a Amazônia como fator fundamental e estruturante, e não como auxiliar de um desenvolvimento tanto nacional, quanto internacional, como mero lugar de produção de energia, de matérias-primas e de commodity, do contrário, não merece o nome de projeto nacional. Isso também quer dizer que os atores da Amazônia deveriam pensar as suas estratégias não somente no contexto regional, mas como parte de um projeto nacional. E, claro, atualmente seria impossível definir um projeto nacional sem pensar a sua inserção internacional.

O ponto de partida é que acreditamos que a Amazônia deve ser da sua gente e que seu povo está em condição de construir um outro desenvolvimento. Nessas condições, qualquer projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia deve partir dos vários ecossistemas inscritos no seu espaço, das diferentes formas de ocupação e usos do seu território e dos seus povos e populações. Mas não pode ser um projeto somente dos amazônidas. Só pode ser um projeto nacional. A Amazônia oferece ao Brasil uma chance de romper com o modelo de desenvolvimento e de crescimento dominantes, inapropriados para assegurar o desenvolvimento da região.

Não há soluções já prontas e por isso é preciso avaliar as experiências, multiplicá-las, investir em ciência e tecnologia que parta das realidades amazônicas; definir e aplicar políticas públicas de longo prazo, subordinando as dinâmicas econômicas existentes a esse projeto alternativo; garantir o Estado de Direito e a equidade de gênero, raça e etnia; promover um ordenamento territorial que respeite os direitos territoriais; valorizar e fomentar iniciativas produtivas sustentáveis e agroecológicas da agricultura familiar, agroextrativista e populações tradicionais, tendo em vista a soberania e segurança alimentar, reconhecendo e remunerando os serviços ambientais prestados por estas populações. Contudo, esta dinâmica deve se dar articulada a um processo de mudanças dos padrões dominantes de produção e consumo. 

A luta por uma Amazônia sustentável e democrática conta com as forças de um conjunto amplo de movimentos sociais rurais e urbanos, associações e cooperativas, organizações não governamentais e instituições de pesquisa, articulados em diferentes redes e fóruns regionais, nacionais e internacionais, que questionam de forma radical os fundamentos do atual modelo de desenvolvimento. Essa multiplicidade de organizações reflete uma população e um território muito diversificado, e não devem ser vistos como sobrevivência do passado, pois se transformam continuamente e, lhes sendo propiciadas condições para tal, são totalmente habilitados para serem artífices centrais da construção de um projeto amazônico.

Assim, consideramos estes como sujeitos políticos e interlocutores politicamente relevantes na esfera pública regional, nacional e internacional. Este setor precisa, com certeza, ser fortalecido na sua influência sobre as políticas públicas e nas investidas do setor empresarial. Nesta perspectiva, acreditamos na cooperação internacional, não para salvar o crescimento econômico, não para abrir mercados ou manter o atual padrão de produção e consumo, mas pautada pela solidariedade internacional. Nesta perspectiva, ela tem um papel fundamental, não apenas na denúncia, mas na politização das ações junto a consumidores de seus países, no debate da revisão dos papéis tradicionais dos países do Norte e do Sul, na incidência sobre as posições políticas da União Européia. O próximo Fórum Social Mundial, em Belém, será uma boa oportunidade de aprofundarmos estas alianças nacionais e internacionais com os sujeitos da Amazônia.

(1) Alfredo Wagner, “Uma Campanha de desterritorialização – direitos territoriais e étnicos: a bola da vez dos estrategistas dos agronegócios”. In: Amazônia: velhos dilemas, novos desafios, Revista Proposta, FASE: Rio de Janeiro, n. 114, out/dez 2007.

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